quarta-feira, março 10, 2010

ORDENAÇÃO DE MULHERES AO MINISTÉRIO PASTORAL.

* ensaio apresentado à disciplina Ministério Pastoral, no último período do curso de Bacharel em Teologia, pelo STBSB. Minha menção ao Dia Internacional da Mulher.


A temática da ordenação pastoral feminina não é nova, porém permanece sendo necessária no meio evangélico tradicional, em especial na Igreja Batista, onde a grande maioria das mulheres vocacionadas ainda não são convocadas ao concílio, salvo casos especiais.
Sou mulher. E, obviamente, fui menina, criada na denominação. Mesmo sendo muito envolvida nas atividades da igreja, é de se presumir que esta construção social em torno da ordenação pastoral feminina não despertasse minha atenção, em especial. Afinal, sou da época em que a maioria das igrejas batistas não acatavam as palmas, nem dançavam e tinham sérios problemas com o rock e as mulheres que vestiam calça...de toda forma, guardei na lembrança um episódio que muito me chamou a atenção, quando ainda era uma criança de 5/6 anos e estava ensaiando uma participação para o culto da manhã, juntamente com o coreto de crianças de uma modesta igrejinha Batista, em Tanguá – RJ:

Cristo tem amor por mim
Com certeza, creio assim
Por amor de mim morreu
Vivo está, por mim, nos céus
Ama os meninos,
Ama as meninas,
Ama os meninos
Jesus, o salvador1



Parece bobagem dizer, mas as palavras daquele hino surtiram efeito em minha débil noção infantil. Em sua inocência, esta criança se perguntou: Mas por que Jesus ama mais os meninos do que as meninas?! Ora, nada mais expressivo à sensibilidade de uma pequena garotinha do que a repetição do verso “Ama os meninos” no hino em questão, especialmente porque este seria dividido em vozes – os meninos cantariam os versos deles enquanto as meninas cantariam o verso delas.
A bem da verdade – e sem apelar - a realidade de nossas igrejas não tem sido muito diferente, na prática. É evidente que muitas barreiras sócio-culturais já foram transpostas com o passar dos anos, entretanto, permanece a distinção entre homens e mulheres, sobretudo no que se refere ao ministério pastoral – como nos convém neste ensaio.
Primeiramente, não se pode desprezar que a própria concepção de que “a mulher tem conquistado o seu espaço” já constitui, por si só, um paradoxo flagrante: o pressuposto de que a mulher já tem um espaço, mas que ainda precisa conquistá-lo. É concebido pelas maiorias que as mulheres permaneçam nesta “busca”, tornando ilegítimo e extraordinário um direito primário de nossa Constituição: o de que todos são iguais. De fato, os cristãos de hoje ainda têm muito que aprender com o evangelho de Jesus Cristo que, na prática, fazia valer este princípio. E esta também não é uma ideia inédita ou desconhecida para a maioria dos crentes, mas muito pouco praticada, de fato.
A questão do ministério pastoral feminino vem, mormente, sendo abordada a partir de uma teologia paulina mal fundamentada. Os textos são trazidos para a realidade vigente de forma abrupta, sem maior preocupação acerca das condições para sua aplicação. Remetendo-nos ao contexto específico é, sim, possível encontrarmos falhas de interpretação em textos como o de I Co 14.33b-35:

Como acontece em todas as igrejas dos santos, estejam caladas as mulheres nas assembléias, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa; não é conveniente que uma mulher fale nas assembléias.



Este texto, amplamente abarcado no argumento contra a legitimação do ministério pastoral das mulheres, pode ser caracterizado como uma glosa – uma espécie distinta de deuteropaulinismo, como nas palavras de Michel Quesnel:

Trata-se, provavelmente de uma glosa de escriba da época patrística. Por que tal conclusão? Porque a tradição escrita não é estável quanto a esses dois versículos e meio: certos testemunhos os situam em outro lugar, depois do verso 40. E, acima de tudo, porque, se eles fossem de São Paulo, o apóstolo se contradiria singularmente em suas afirmações. De fato, ele mesmo escreveu anteriormente, em I Co 11.5: “Mas toda mulher que ore ou profetize com a cabeça descoberta, desonra a sua cabeça” (...) mas está escrito que ela ora e, na Antiguidade, só se orava em alta voz. Está igualmente escrito que ela profetiza. Ora, como profetizar sem abrir a boca e sem falar? 2



Sendo comprovado o estudo de Quesnel, fica evidente que o texto não pode ser considerado legitimamente de Paulo, devido à contradição explicitada acima. No entanto, o que causa espanto é o fato de, na eventualidade de o referido texto ter realmente sido escrito por Paulo, existiria, assim uma imensa irresponsabilidade na aplicação do ensino. E isto se manifesta da forma mais lógica possível. Se o texto fosse escrito por Paulo, de fato, as mulheres deveriam, hoje, permanecer com as cabeças cobertas nas igrejas, e caladas. Ora, não é possível que a aplicação de um texto seja feita de forma unilateral. Pelo contrário, se hoje já é possível que a mulher “exerça um pouco do seu espaço” dentro da realidade eclesiológica, quer falando, profetizando, pregando, ensinando, visitando, ministrando, exortando etc, por que, naquilo que se refere à legitimação de seu ministério, ela não pode ser reconhecida? De todas as formas, as interpretações construídas sobre a realidade da mulher pastora, a partir de alguns textos paulinos – cuja cultura notoriamente se demonstra como fator preponderante, face às influências semíticas e greco-romanas da época – confirmam a maneira leviana como o assunto tem sido abordado pelas grandes lideranças da denominação, ao conferirem valor bíblico a uma questão política. Sim, pois se não fosse assim, as mulheres deveriam permanecer seguindo “os moldes bíblicos” do véu (cabelo comprido), do silêncio irrestrito e da ausência de opinião.

O que constrange e envergonha a denominação é o fato de mulheres legitimamente vocacionadas, capacitadas, dispostas e comprometidas não poderem ser reconhecidas pela igreja naquilo em que dedicam as suas vidas. São mulheres que, mesmo se formando neste seminário e servindo às suas igrejas como os demais colegas – homens -, deverão se contentar com o título de Bacharel em Teologia e o vergonhoso “tapinha nas costas” de sua denominação, que se esquiva da responsabilidade, atribuindo a questão ao foro íntimo de cada congregação. Ademais, o problema é político na medida em que se traduz como reserva de mercado, de modo que um ministério que também pode ser considerado e tratado como “profissão”3 confira benefícios somente ao gênero masculino – nada mais escandaloso para a igreja diante da realidade trabalhista de nosso país, que já não é um modelo de justiça. Ainda há um longo caminho a ser trilhado neste sentido. Não ignoremos, porém, que tais posturas adotadas e condescendidas pela igreja são capazes de saltar aos olhos e inquietar até mesmo um coração inocente de uma criança.



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Notas:

1. Primeira estrofe e refrão do conhecido hino “Jesus e as crianças”, nº 542 do CC – itálico nosso.

2. QUESNEL, Michel. Paulo e as origens do cristianismo. Tradução Paulo Ferreira Valério. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 126.
3. Não confundimos uma coisa com a outra. Utilizamos a comparação devido ao fator sustento corroborado pelo ministério pastoral nas igrejas, o qual é negado à mulher que o exerce.

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