quarta-feira, novembro 03, 2010

Não deixe que o passado feche seu coração para o que Deus quer fazer em sua vida.

“Não deixe que o passado feche seu coração para o que Deus quer fazer em sua vida e através de você.”

Bem, não tem como ir mais objetivamente ao ponto. É essa a idéia. Foi essa a fala que me veio ao coração há pouco. E eu prefiro acreditar que era, de fato, a voz do espírito que fala comigo e através de mim. O Espírito Santo, o Espírito de Jesus que habita em meu coração me aconselhou suavemente, mas nem por isso passou despercebido...

Foi então que lembrei de uma interpretação alternativa de certo pregador cuja mensagem ouvi há milênios, sobre a curiosidade de a passagem bíblica que diz que nada pode nos separar do amor de Deus[1] não mencionar o passado em sua listagem. Daí o pregador concluía que o passado pode nos separar do amor de Deus. Apesar de ser essa uma interpretação suspeita, não deixa de fazer pensar...de fato, nosso passado nos limita mais que qualquer outra coisa, se o deixarmos. Acho que deve ser porque ele é irrecuperável, intocável segundo a nossa percepção humana. Aceitamos a redenção de nosso presente porque ele nos está à mão, e de nosso futuro porque temos esperança, mas o nosso passado nos confronta com a peculiaridade de não poder ser redimido, de estar assentado em terra e sedimentado pelo tempo que não volta.

Talvez seja por isso que em dados momentos o ser humano se veja tão preso ao seu ontem. Porque ele se grava na memória e não se esvai, enquanto o tempo mais próximo de nós parece ser, também, o mais breve e passageiro. Mesmo com a dúvida do futuro, podemos esperar algo diferente. Nosso presente sempre é mutável, mas os dias que se foram nos desafiam justamente por não serem mais reais, por serem memórias de coisas boas que queríamos viver novamente, e de coisas ruins que gostaríamos de esquecer e não podemos. O problema disso não está na lembrança nem na limitação em viver o que se foi, o problema do passado é que ele é uma prova de que Deus controla a nossa vida completamente, que de fato ele a tem em suas mãos em detalhes e sabe de todas as coisas que poderiam – e podem – nos transformar em pessoas aperfeiçoadas pelos dias. Ora, mas qual o problema disso? O problema é a terrível dificuldade que temos de sabê-lo, de ver sendo desenhados em nossa frente os caminhos que Deus permitiu existirem para nos ajudar a fazer escolhas e sentir emoções que nos permitem enxergar a vida, as pessoas, a Ele e a nós como hoje – e só hoje – temos condições de fazê-lo. E como amanhã – e só amanhã, depois de hoje – teremos bagagem pra fazer também.

O desafio está em sabermos escolher hoje e amanhã o melhor do nosso passado. O estrato de sabedoria que só podemos recolher agora...e depois, mais. Por isso mesmo que o Senhor Jesus também disse que o homem instruído sobre seu reino sabe retirar coisas novas e velhas de seu tesouro[2]. Posso então concluir essa coisa tão óbvia: temos os recursos pra viver libertos e mais esperançosos que deprimidos, mais corajosos do que frustrados. Mas além dessa obviedade encontro dois princípios sagrados: o da liberdade de escolha, típica do Deus que ama, e a singularidade dos caminhos. Não há receita de bolo, os labirintos da vida não têm gabarito! Nossa história é cheia de significados particulares, importantes e ricos. E tudo que nos é obsoleto e mesquinho podemos deixar onde está; não precisamos trazer de volta à existência, como penitência, não há necessidade disso.

O Pai, de fato, tem preparado mais caminhos novos pra nós. Caminhos de novos dilemas e conseqüências; caminhos com novos recursos e soluções. Também, por certo, novos sentimentos e percepções nos aguardam. Mas o estrato final da nossa vida pode ser purificado. Como? Se não deixarmos que as impurezas de um passado mais antigo continuem presentes em nossa fórmula, em nosso tesouro, contaminando o resto que separamos para bom proveito. Não nos enganemos com o sussurro do maligno, que muitas vezes penetra nosso coração enquanto desprezamos a voz do Bom Pastor, que deseja nos orientar como salvar nosso passado desse estigma de “tropeço”. Sim, ele pode transformá-lo em ferramenta fundamental para dias mais sábios, mais acertados e mais puros.

Dias melhores podem vir...mesmo. Há uma nuvem de testemunhas[3] na torcida!



[1] Romanos 8.35-39.

[2] Mateus 13.52

[3] Hebreus, capítulos 11 e 12.

quarta-feira, setembro 22, 2010

No chão.

Lá se vai, quase desfalecendo
Bem calmamente, parece não agüentar mais
Vai suspirando, clamando e morrendo
Até que, cansado, no chão ele cai

Queda difícil, machuca os joelhos,
Traz traumas, vergonha e até desespero
É triste o momento e a visão é tão feia
Daquele cuja fé não é nem centelha

E então, já não importam os insensíveis
Quando ele próprio nada sente,
E já nem faz questão de se preocupar
Pela indiferença, ele disfarça e mente

Não há vontade, nenhum fervor
Abriu-se um rombo no mundo
É como ser estrangeiro, sem teto e dinheiro
É a vida sem rumo de um falido herdeiro

“Cadê o argumento, a causa, a razão?
Quem deu o direito de me jogarem no chão?
Me deixem chorar, me deixem entender
Esse descaso, esse abuso “cristão”!”

No jogo da fé e da religião
Murcharam a bola do bom campeão,
Bateram sem punho, com boa intenção
Explicaram a dor com um velho jargão

Deus, tu és Santo, visita teu filho,
Retira-o da poça da humilhação
Relembra tua obra, o auxílio divino,
Respira em sua face, o faz levitar...

É mágica tua mão de socorro, ele sabe
É sincero teu bem querer, ele crê
Dá-lhe tua chancela, levanta o pobre caído
O santo remido que Teu Espírito vê
Ele é teu filho e te espera ansioso
No buraco barroso que o fez se perder...

Deus, tu és Santo, visita teu filho,
Retira-o da poça da humilhação
Relembra tua obra, o auxílio divino,
Respira em sua face, o faz levitar...
Ele é teu filho e te espera ansioso;
Sabe que só o Pai amoroso
O pode encontrar.

quarta-feira, setembro 08, 2010

A Santa Perseguição.

Como dizer de maneira diferente aquilo que já foi dito? Como reafirmar o que já foi diversamente registrado? Eu não sei. Mas às vezes surge essa vontade de dizer novamente o que já se sabe há muito tempo. Deus me persegue. Ele não me acompanha nem me acha. Ele me persegue, gruda mesmo, não me larga, não se afasta. Estranho demais isso. É estranho pensar no divino tão próximo, tão íntimo e tão leal. Eu não sei bem como funciona esse amor do Criador pelo ser criado, mas penso que as criaturas aqui não poderiam inventá-lo do nada, tirar esse amor da cartola... A quem pensa que o homem criou Deus, meu parecer: o homem não é tão humano assim! Só mesmo a matriz do ser humano, o seu projetista, poderia e pode nos fazer recordar, relembrar nossa profunda condição de carência, de gente que chora e sofre de solidão. Só mesmo um Ser tão maior que nós poderia ser mais humanos do que nós conseguimos. Tudo isso é estranho, mas inegável.

O fenômeno da graça, esse privilégio dado a quem nunca teria cacife pra receber, faz com que o divino e o humano, o poder e a fraqueza não somente se encontrem e convivam, mas se fundam! É complicado pra nossa razão fantasticamente limitada admitir a realidade de uma nova natureza, nascida de um encontro eterno. Deus e homem são reconciliados e redimidos na cruz. Sim, porque Deus não falhou nem se conformou à rejeição humana. Deus não presumiu que ser divino era o bastante. Deus não se garantiu em seu status quo porque desde sempre a sua mente era a mente do “adorado e amado”. Outra coisa estranha, mesmo que óbvia: Deus de verdade é Deus amado e não somente enaltecido. Deus de verdade é aquele único que consegue ser amado, desejado, querido e buscado com todo o coração, alma e entendimento. Ora, esses tantos deuses-ídolos alvos de bajulação interesseira parecem mais escandalosamente inferiores, baixos, vulgares... O Santo que é Justo é também um Deus de amor e afagos.

É esse Deus que me cerca por trás, por diante e põe a mão sobre mim. Pensar nessa cena deveria provocar uma revolução em nossa maneira de viver. Deveria nos gerar uma confiança inequívoca de que não há solidão com Deus porque não somos mais aquilo que éramos. Nascemos de novo, temos sua companhia nas entranhas, os poros, no coração, na mente, no corpo, em todos os lugares... Em todas as locações, ambientes e circunstâncias. É Deus que não deixa o homem. Esquisito; nada usual. Mas uma verdade. Verdade porque ele não enxerga a escuridão que nos cerca, atemoriza, envergonha. O Deus da luz enxerga tudo e nos alcança através de tudo, não importa quão espessa seja a camada de trevas... Bobagem, Ele não pede licença, passa e caminha por onde quer pra fazer o que tem em mente. É um Deus incontrolável. Alguém que não se restringe nem se acanha ou melindra com nada. Nem com o mal que me cerca e sufoca, nem com a dor que me cega... Nada é barreira, nada nos separa, não há mais véu.

Sim, como o salmista desabafa: tal conhecimento é grandioso demais para o ser criado, que mesmo tendo muito a criar, permanece criado, restrito, limitado e absurdamente frágil. E como explicar esse valor que Ele, o Senhor Todo-Poderoso, aplica a nós a ponto de tanto desejar o nosso amor, de tanto querer nos dar do seu amor, sendo adorado ou não?! Mas que maravilha de amor! Que maravilha de Deus veio viver em mim!

quarta-feira, setembro 01, 2010

Até hoje, o que você fez?


Há poucos anos atrás, tirei um tempo para conversar com um grande amigo – desses raros, que sabem ouvir com a alma e verdadeiro interesse pelo que está além das palavras - e ele, em sua doce empatia, compartilhou comigo uma lição que lhe ensinaram a respeito do amor. Ele dizia que uma vez se interessou por uma mulher e foi conversar com ela a respeito de seu sentimento. Disse a ela que gostava muito dela, que a via como uma pessoa realmente especial. Qual não foi sua surpresa ao receber a resposta sincera da moça: “Ok, é muito bom saber que você me considera e tem esses sentimentos por mim, querido. Mas eu preciso te fazer algumas perguntas bem sérias: Até hoje, o que você fez em relação a mim a fim de demonstrá-los? De que forma você age para fazer com que eu realmente me sinta especial pra você? Lamento ter de dizer isso, mas até hoje você não fez absolutamente nada neste sentido e, infelizmente, seu interesse por mim não é o bastante pra mim. Com toda a franqueza, não me lembro do nome nem faço idéia de quem é a tal mulher que lhe disse isso, mas tenho absoluta certeza de que suas palavras tocaram o caráter daquele rapaz e vieram ao encontro de tudo aquilo que eu sentia naquela ocasião e, por isso, jamais esquecerei desse princípio.

Eu sempre entendi o amor dessa forma em que ela resumiu. O amor precisa ser factível, quase palpável. Além disso, ele precisa ser exeqüível... Qualquer coisa menor que isso deve ser considerada como sentimentalismos infantis ou qualquer outra ilusão cretina. O amor platônico, do mundo das idéias e das hipóteses, não é nem de longe parecido com algo digno e dignificante. Ele confere cargas e injustiças para os dois lados e se alimenta da mentira diabólica. Ele é o mal camuflado de bem, pois é egoísta e manipulador. É o interesse utilitário, frívolo e absolutamente leviano, que se expressa bem em palavras e atitudes menores, fáceis e aleatórias. É inconstante porque, de tanto sonhar, foge da urgência real e nunca está presente quando poderia ser necessário e até útil. De fato, nunca será útil, uma vez que é inconveniente e ensimesmado. Como seria bom se mais homens e mulheres acordassem para a honestidade de seus sentimentos errados. Haveria mais espaço para o verdadeiro amor nascer se grande parte das pessoas não se contentasse com tão pouco e não se rendesse ao que não importa. Mas para muitos, ainda é preferível fingir pra agüentar o tranco. Fingir que ama e fingir ser amado. Há quem prefira viver mal-amado e mal-amando contanto que não se precise provar nada; contanto que não precise abrir mão de nada. Quão infeliz é esse “amor” que limita!

E, pra variar, minha memória trabalha em torno das palavras de Cristo, aquele que soube amar até o final e desde sempre... Aquele que não se deixou impressionar pelas performances humanas e nem agiu antes de sentir. Lembro que Jesus comprovou a qualidade do que sentia por nós sem a tagarelice dos discursos óbvios e convenientes e sem a vaidade típica de quem ama muito menos do que deseja fazer crer. Em contrapartida, foi ele mesmo que exigiu a prova, mostrando que o amor que estava disposto a receber deveria passar pelo crivo da coerência e da transformação do caráter. “Pedro, você me ama? Então faça aquilo que eu faria”. “Pedro, você me ama? Prioriza o que toca a minha alma”. “Pedro, você me ama mesmo? Tome as minhas dores pra você!” “Pedro, você me ama? Transplante o meu coração para o seu peito, sinta o que eu sinto, seja um comigo!” O verdadeiro amor nos evolui.

Quem entende a verdade do amor não pode mais viver e agir da mesma forma, negando ao ser amado o devido resultado de quem se doa. Quem decide viver o amor de Deus não é capaz mais de fingir ao outro que ama errado. Quem assume o amor, assume a conta, seu bônus e ônus. Quem ama de verdade faz da vida do ser amado a sua própria e já não aceita mais que ele morra por causa de sua omissão.

Louvo ao Pai amoroso por ter amigos que me ensinam a amar. E fico extasiada em pensar que o amor de seu filho me dá o direito de viver além do que eu seria capaz se me rendesse à camuflagem dos amores falsificados, encharcados da perversidade do orgulho e do medo. Sempre guardarei em minha consciência o quanto é belo e profundo o amor que dá continuidade à vida de quem até mesmo já morreu... Porque o verdadeiro amor nos prova... E nos joga na vida.

sexta-feira, julho 09, 2010

O que eu realmente desejo.

É aquilo que ninguém sabe, é aquilo que não se pode ver...aquele pressuposto que, na verdade, é raro...uma carência real. É a tal da fome de Deus; a sede, a ânsia profunda pelo que nem se sabe dimensionar. Vontade imensa e sincera de querer ter os olhos abertos, de poder enxergar outras coisas, mas ainda não é o tempo.

A alma também celebra suas saudades e às vezes, em meio a isto, acaba se encontrando em sentimentos paradoxais, inexplicáveis. Como essa ausência querida mas sofrível. É porque esse mundo não me basta; eu já fui convencida por outra coisa. Há um bem em mim e minha esperança é urgente. Mas preciso conviver, preciso me agarrar ao que é contingente, preciso dar sentido às avessas...pareço justificar a eternidade e às vezes me sinto frustrada por não saber o que quero porque o que eu quero é mais. É Deus, é a essência do que falo sem saber; é a grandeza que divago sem alcançar. Mas é incerto, mesmo com todas as certezas e convicções, é inseguro. Está preservado na fé, mesmo que a fé não abrace seus limites...eu ando em suspenso.

Meu corpo quer ser revestido, meus sentidos elevados. Meu coração quer não perguntar mais, minha mente quer se reclinar...é a busca da prostração real, legítima e última. Porque eu sei o que quero e o que eu quero é mais.

Enquanto isso, me recolho em momentos vagos...não há como preenchê-los com o que não chegou, com o que nem sequer existe em mim (apenas como súplica). O grande Deus me vê, o Altíssimo me toca pra eu saber que ele é tudo isso por que vivo. Ele entende minha fome e minha sede, Ele me deu como resposta feliz e alternativa a toda realidade de mentiras e superfície desta terra, desta vida. Ele me respondeu com a pergunta da minha alma. E isso é voz que ninguém ouve, que nem ressoa. É sua realidade em mim.






terça-feira, maio 11, 2010

Esse amor surpreendente

O amor de Deus pode a tudo alcançar. Pode trazer recomeços a quem só enxerga o próprio fim. É capaz de finalmente curar o desespero e abatimento de espírito daqueles que estão exaustos de bater à porta.

O Deus que se revelou em Cristo é bom e sabe sorrir. Mesmo quando a resposta esperada é a punição, ele é capaz de mostrar um “caminho sobremodo excelente” (I Co 13.1). E nesse caminho, de fato, há gente prostrada, há gente à própria sorte. Gente que se inchou e se apertou na via estreita; gente que desanimou e resolveu parar. Gente tomando fôlego para continuar e gente querendo voltar atrás.

Mas a grande bobagem está em acreditarmos num amor pontual, reservado para os finalistas, os atléticos do bem... Sim, há recompensa para os fortes e resistentes. Para aqueles que não fazem do caminho estreito uma desculpa para sua indisposição e descaso. É claro...há prêmio e alegrias maiores reservados para os que correm para o alvo com paixão e comprometimento.


Entretanto, convenhamos, o amor de Deus não é estático, tampouco indiferente. Não se trata aqui de uma adulteração humana que transfigura o amor em um “discurso orgulhoso do bem que espera fazer”. Pelo contrário, temos ouvido e visto falar de um Deus que ama em iniciativa, que busca suas ovelhas, que se rebaixa à condição humana, que chama pelo nome e se apresenta sem cerimônia. Por isso é possível crer que esse amor nos alcança no caminho e, mais que isso, no caminhar. Não se reserva a camarotes privilegiados dos grandes campeões mas, sobretudo, é a fundamental segurança de assessoria e companhia na caminhada. É água e alimento para os subnutridos e inspiração para os abatidos. O amor de Deus é mais do que temos esperado e sentido. Ele é a grande e alegre notícia de que podemos vencer o medo de seguir em frente.


“Jesus chamou seus discípulos e disse: ‘tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que eles estão comigo e não têm o que comer. Não quero despedi-los em jejum, para que não desfaleçam no caminho’”. (Mt 15.32)

terça-feira, maio 04, 2010

Força para viver. (tinha que ser do Ed René Kivitz...)

Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e abaixa... O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.

Viver é muito perigoso, dizia Guimarães Rosa pela boca do memorável Riobaldo. A vida tem mesmo seus altos e baixos e, além da dificuldade de saber a direção, falta a cada um a força e a competência de seguir em frente. Os obstáculos se multiplicam. A vida é contingente: cheia de imprevistos e surpresas, boas e ruins. Uma proposta para morar longe, um diagnóstico inesperado, a chegada de um bebê, um assalto, um desmoronamento, o cancelamento do vôo, a festa de aniversário, os amigos ao redor da mesa e a demissão inesperada. Além disso, a doença da mãe, o imposto de renda, as aventuras dos filhos e o sobrepeso, obesidade mesmo, denunciada pelo espelho e pela calça que já não se usa mais. E tem também a teimosia dos vícios, as dores da alma, a insegurança emocional, os conflitos relacionais, a culpa, o medo, a ansiedade e a síndrome do pânico – ai que medo. Tem que arrumar o quarto, buscar a roupa na lavanderia, votar para presidente e superar o divórcio. O show não pode parar. E porque viver é muito perigoso, aprender a viver é imperativo.

Como enfrentar a travessia? Já que navegar é preciso e viver não é preciso, como dizia o poeta português. Viver é necessário. É preciso viver, não há que desistir da vida. Mas viver é perigoso, justamente porque não é preciso – não é exato. Não é possível singrar a vida como quem corta os mares. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino pra lá, disse o Chico brasileiro.

Acho que foi por isso que o sábio Salomão começou a escrever seu Eclesiastes. Queria aprender a viver. Dedicou o coração para saber, inquirir e buscar a sabedoria e a razão das coisas. E concluiu que a verdade está no distante e profundo. A vida é mistério. Viver continuará sendo sempre perigoso.

Então apareceu Jesus. Não negou a contingência da vida, nem iludiu os seus com promessas falsas e fantasiosas. Mas apontou um caminho. Apresentou seu Pai aos homens e os homens ao seu Pai. Autorizou todo mundo a buscar, usar e abusar de seu Pai.

Jesus disse a todos: Chamem pelo Abba. Ele os ouvirá. Falem com ele em meu nome. Batam na porta. Busquem. Peçam. Gritem. Importunem meu Pai, de dia e de noite. A porta se abrirá. Vocês acharão o meu Pai. Vocês receberão respostas. Serão recompensados pela sua busca, jamais ficarão sem galardão. Meu Pai é atento e cuidadoso. Meu Pai é bom. Meu Pai é amor. Não tenham medo dele. Não se escondam dele. Não fujam dele. Corram para os braços dele. Ele cuida de flores e passarinhos. Vai cuidar de vocês. Sigam os meus passos. Foi o que fiz. Fechem a porta do quarto e façam suas orações. Eu atravessei a vida de joelhos. E venci. Eu venci o mundo, eu venci o mal, eu venci a morte. E vocês também poderão vencer. Não desistam. Não tenham medo. Viver é perigoso. Mas a graça do meu Pai é maior que vida.

2010 | Ed René Kivitz

quarta-feira, abril 28, 2010

"O CAMINHO DE UM DISCÍPULO"

(- Reflexão por mim apresentada em 24/04/2010, na IB Lírio de Sião, por ocasião de seu primeiro culto jovem).

"O CAMINHO DE UM DISCÍPULO"
JOÃO 1.35-51


No dia seguinte João estava outra vez ali, e dois dos seus discípulos; E, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus. E os dois discípulos ouviram-no dizer isto, e seguiram a Jesus. E Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam, disse-lhes: Que buscais? E eles disseram: Rabi (que, traduzido, quer dizer Mestre), onde moras? Ele lhes disse: Vinde, e vede. Foram, e viram onde morava, e ficaram com ele aquele dia; e era já quase a hora décima. Era André, irmão de Simão Pedro, um dos dois que ouviram aquilo de João, e o haviam seguido. Este achou primeiro a seu irmão Simão, e disse-lhe: Achamos o Messias (que, traduzido, é o Cristo). E levou-o a Jesus. E, olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro). No dia seguinte quis Jesus ir à Galiléia, e achou a Filipe, e disse-lhe: Segue-me. E Filipe era de Betsaida, cidade de André e de Pedro. Filipe achou Natanael, e disse-lhe: Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José. Disse-lhe Natanael: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré? Disse-lhe Filipe: Vem, e vê. Jesus viu Natanael vir ter com ele, e disse dele: Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo. Disse-lhe Natanael: De onde me conheces tu? Jesus respondeu, e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, estando tu debaixo da figueira. Natanael respondeu, e disse-lhe: Rabi, tu és o Filho de Deus; tu és o Rei de Israel. Jesus respondeu, e disse-lhe: Porque te disse: Vi-te debaixo da figueira, crês? Coisas maiores do que estas verás. E disse-lhe: Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem.


 INTRODUÇÃO:

A partir do verso 1.19, João o Batista aponta para Jesus como Cordeiro de Deus, enviado ao mundo e, agora, revelado a Israel.

(Jesus volta ao mesmo lugar – Betânia >>> OPORTUNIDADE)

No dia seguinte, ao reafirmar que Jesus é o Cordeiro de Deus, dois de seus discípulos começam a seguir a Jesus.

 Jesus sabe de nossas dificuldades em aceitar o que é novo; em aceitá-lo, de fato. E é por isso que ele “passa” por nós...Ele nos dá diariamente a oportunidade de conhecê-lo mais de perto. Insiste. Mas para isso precisamos levar a sério as coisas de Deus e sermos sensíveis à pessoa de Jesus.

 Precisamos mais e mais de homens e mulheres como João Batista hoje em dia. Pessoas que ensinem sobre Jesus de forma honesta e empolgante!

 Em algum momento da nossa vida fará fundamental diferença a decisão de seguir a Cristo, além de “ouvir falar dele”. É necessário também que haja uma real decisão de estabelecer a proximidade com a pessoa de Jesus, como aqueles discípulos fizeram.

 Jesus perguntou aos discípulos: “O que vocês querem?” / “Que buscais?” / “Que procurais?”

 E esta é uma pergunta chave no ministério de Jesus. A todo momento ele pergunta àqueles que o seguem sobre os desejos e as motivações do seu coração. É uma pergunta inquietante, que busca resposta sincera e verdadeira. NÃO HÁ COMO CAMINHAR COM JESUS SEM ENTENDER A NECESSIDADE DE RESPONDER A ESSA PERGUNTA.

 O que queremos ao caminhar com Jesus? (isso tem a ver com nossa MOTIVAÇÃO e nosso OBJETIVO)

 Há pessoas que sequer conseguem responder a isso! Acreditam que circularem entre os que andam com Cristo é o suficiente. Vivemos atualmente um “evangelho” de multidões, de grupos de interesse, mas não são esses que Jesus tem chamado para serem seus discípulos. Esses servem para a multidão, mas não para conhecerem a sua casa!

 Os discípulos respondem prontamente: “Onde moras?” / “Onde estás hospedado?”

 Aqueles homens mais uma vez não se contentaram em ver o Jesus público; eles queriam entender quem era aquele homem, aparentemente tão comum, tão parecido com eles...o que fazia dele um profeta, o Messias? Com quem ele vivia, como era seu comportamento?
 Eles queriam verdadeiramente ver o que João via: a diferença, a razão de ele ser a salvação de Israel. Em nossa vida também somos diariamente desafiados a ver em Jesus algo mais profundo, mais íntimo e essa deve ser a maior busca da nossa caminhada.
 Aqueles eram de fato homens especiais! Não se contentavam com informações, impressões e atos mecânicos. Queriam conhecer o salvador.

 Jesus nos ensina a não resistirmos a isso: “Vinde e vede”.

 Nos nossos relacionamentos, precisamos expressar o evangelho como abertura, como acolhimento, como profundidade na vida das pessoas.
 Não podemos fugir, como a sociedade hoje nos encoraja: “eu moro ali, perto da pracinha...” Precisamos abrir nosso lar, compartilhar da nossa vida com as pessoas.
 Foi assim que Filipe agiu com Natanael. Ele reproduziu a postura de Jesus: “Vem e vê” (v.45). Ele o levou até Jesus.

ONDE ESTÁ JESUS HOJE?

Jesus vive sua vida em nós. Convidar alguém para o evangelho é se comprometer com esse alguém com a própria vida.


 Glorifico a Deus pela vida de pessoas que agiram como João o Batista para comigo, compartilhando de tudo o que receberam dele comigo.

 Glorifico ainda mais a Deus pela vida do próprio Jesus, que gastou toda a sua vida comigo. E me concedeu a sua vida.

 Mas eu entendo que o grande desejo de Deus é que eu e você sejamos capazes de mostrar o Jesus que habita em nós. De nos envolvermos em relacionamentos tão profundos que signifiquem não somente seguir o mesmo caminho, mas sobretudo caminharmos juntos.


(Exemplo: A diferença das pessoas andando pela mesma rua juntas e separadas – Imaginemos uma rua que represente o caminho de Jesus. Durante o dia, centenas de pessoas passam por essa rua, em horários variados. Para os que estão na periferia, observando, tal caminhar não causa nenhum tipo de impacto, uma vez que cada um caminha como quer, sozinho. Mas imagine o mesmo número de pessoas caminhando juntas, solidárias e no mesmo passo. A dinâmica é transformada. Ocorre impacto aos olhos de quem observa a rua; a caminhada se torna diferente, pois todos compartilham o caminho, o espaço, os tropeços e vestem a mesma camisa... ).


Que não nos contentamos a receber e dar informações sobre Deus. Mas que desenvolvamos relacionamentos profundos com o Senhor e com as pessoas.

terça-feira, abril 27, 2010

O tudo é tão vazio sem Jesus.

A força que hoje sinto no meu peito a pulsar,

Me anima a crer somente, vencer tudo,

Mas eu sei

O tudo é tão vazio sem Jesus


Minha alma, descansada em suas bênçãos, se acalma

Poderia encontrar tudo o que deseja,

Toda sorte de sucesso que almeja

Mas tudo é tão vazio sem Jesus...


E NADA em minha vida pode se comparar

À doçura de minha união com Deus

Pois eu bem sei

Que bem mais que crer,

Que bem mais que ter,

É existir, me mover e ser tudo em Jesus


Ele é a fonte, é a origem

O princípio, meio e fim

Ele sacia toda falta, toda busca que há em mim

Ele é o pão, o melhor vinho, o meu óleo de alegria


Ele é tudo e mais, mais que tudo e além

E o tudo é tão perfeito quando é parte de Jesus!

quinta-feira, abril 01, 2010

“Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos.” (Sl. 19.1)

A melhor poesia foi escrita por Ti
Nas paisagens mais inacreditáveis posso te ver caminhar calmamente...pelos descampados, pelos morros a céu aberto...no crepúsculo e na alvorada mais brandos, mais excelsos...eu te enxergo bem.
Na tua obra magnífica eu consigo entender um pouco porque não podes perder tempo com coisas à toa, com as bizarrices do espírito humano. Tu caminhas entre os raios de sol e habitas com seres gloriosos. Tu és o mais divino de todos os poderes, o mais santo que há no céu. És, por natureza, distanciado de minhas debilidades e limitações e por isso, eu sei, é penoso ouvir meus lamentos e queixas.
Tu estás tão acima de minhas percepções, Senhor. Participas de maneira tão abrangente de todas as causas... Tu és mais sério que toda a minha noção de importância e urgência. O mundo grita por tua ajuda.
Onde estás agindo agora, Pai? Meu coração pergunta perplexo... Onde estás investindo teu braço forte, teu arsenal? Em que guerras tens ido à frente, lutando e comandando? De que batalhas tenho fugido, Senhor? Tenho me escondido nas trincheiras? (...) Em que demandas da minha alma tens prevalecido como guardião, como valente, como guerreiro? Onde estás trabalhando? Às vezes me sinto alheia ao que estás fazendo... Completa ignorante, alienada em minha humana pequenez. Tu és majestoso, forte, poderoso... Altíssimo, soberano... Muito acima de minhas palavras, códigos e construções mentais. Excelso Deus... Que se achegou a essa minúscula pessoa através do Cristo humano; absurda e incompreensível humanidade que tornou simples o Senhor da Criação, da natureza perfeita, do homem imperfeito. Sou tão grata por ver fagulhas, faíscas da tua soberania nas pequenas e perfeitas coisas... Sempre será tua a minha devoção, a honra que houver em mim.
Meu coração abriga lacunas gloriosas... Um bom tesouro com caracteres do céu...te identifico, te interpreto, te reconheço nos melhores sentimentos que há em mim. Sei que, estranhamente, estás presente na minha vida – justo eu, esta pessoa tão inadequada ao teu ser, à tua natureza!
Sonda meu coração, Deus santo... Faz a faxina que ele precisa... Olha as intenções e as lutas, as guerras, os embates que nele ocorrem. Vem com tuas milícias endireitar o meu caráter, as minhas súplicas, os meus desejos. Ajuda-me a me superar e a estar exatamente onde tu estás trabalhando... Não covardemente, escondida, mas como tua valente, tua guerreira, tua serva e filha fiel.
A minha oração é simples: age em mim, Senhor! Como Deus, como soberano, como justificador, como dominador da minha vida porque sou tua criação, tua obra, semelhante a Jesus... Semelhante a Jesus.

Amém.

terça-feira, março 23, 2010

Tu me amas com amor eterno.

Tu me amas com amor eterno
Com aquele mesmo amor que me atraiu à cruz
Em minhas lembranças sempre vejo o teu carinho de Pai, a tua proteção sempre foi óbvia, marcante em minha vida.
Eu te achei no perdão mais necessário da minha existência, no dia em que fui devastada pela dor, Senhor...abriste meus olhos, concedeste-me o teu espírito para que eu pudesse enxergar a graça e a esperança de viver com a tua vida poderosa dentro de cada espaço de mim.
Desde então e desde sempre te senti e também te amei...dividimos os dias e as noites, as angústias e vitórias, dividimos o melhor e pior de mim, dividimos tudo, Deus.
Hoje não há dúvidas; hoje não há medo a respeito desse amor que já me concedeu tudo...e mais. Jesus não foi apenas o meu resgate mas, sobretudo, é o maior tesouro da minha vida, o amor provado em todos os momentos, a transformação da minha consciência, a paz da real liberdade, a certeza inabalável, a esperança imortal...Jesus sempre foi, é e será tudo, todo amor com que me amaste, Pai...com que me abraças, Espírito Santo!
Jamais esquecerei que sou como a menina de teus olhos. Isso não é a conveniência de um ser carente, mas a convicção de uma pessoa tua.
Eu sou tua, Deus. Como sempre fui, como sempre serei. Sem dúvidas, sem medo. Eternamente.

Dá um pouco de amor para Deus

Dá um pouco de amor para Deus
Principalmente pelo fato de Ele não te cobrar
Dá, oferece, presenteia
Com um pouco de amor, abre mais teu coração

Não é preciso ser um gênio para notar
O quão desonesto é esse jogo de interesse
De quem vai ao Pai como bastardo, em busca de sua providência;
Quem ainda não vive como filho, quem não vê nem ama o Pai sempre o procura por interesse. Sempre requer sua ajuda, e às vezes até o julga em sua condição de Pai. Bastardos não amam o Pai. Bastardos não têm Pai...

Mesmo assim, o Santo Filho veio nos mostrar que todos podemos ser filhos; todos fomos criados para amar o Pai.
Mais que isso, todos fomos feitos por causa do amor de Deus.

Por isso – e melhor pensando -, dá todo teu amor a Deus
Voluntária e humildemente, busca-lhe para fazê-lo sorrir, elogia, exalta o seu ser!
Dá amor a Deus sem pensar no retorno, sem intenções dúbias, maldosas.
Dá do teu melhor amor.
Daquele mais sincero e maravilhado... Aquele amor genuinamente bondoso, sem a leviandade da obrigação.
Dá o teu mais forte e profundo amor a Deus.
Aquele amor que faz arder as lágrimas de quem não se imagina sem Ele, aquele ardor de quem o deseja como Senhor, de quem o adora em prostração, de quem discerne sua santidade.

O verdadeiro amor de um Pai encontra o verdadeiro amor de um filho
O verdadeiro filho ama seu Pai.

E quem ama, se oferece, se doa para o agrado e bem do outro.
Deus, o Pai, já deu tudo pelos seus filhos.
Se és filho, dá do teu melhor amor a Deus.




(Joseli Dias – 03/07/2009).

quarta-feira, março 10, 2010

ORDENAÇÃO DE MULHERES AO MINISTÉRIO PASTORAL.

* ensaio apresentado à disciplina Ministério Pastoral, no último período do curso de Bacharel em Teologia, pelo STBSB. Minha menção ao Dia Internacional da Mulher.


A temática da ordenação pastoral feminina não é nova, porém permanece sendo necessária no meio evangélico tradicional, em especial na Igreja Batista, onde a grande maioria das mulheres vocacionadas ainda não são convocadas ao concílio, salvo casos especiais.
Sou mulher. E, obviamente, fui menina, criada na denominação. Mesmo sendo muito envolvida nas atividades da igreja, é de se presumir que esta construção social em torno da ordenação pastoral feminina não despertasse minha atenção, em especial. Afinal, sou da época em que a maioria das igrejas batistas não acatavam as palmas, nem dançavam e tinham sérios problemas com o rock e as mulheres que vestiam calça...de toda forma, guardei na lembrança um episódio que muito me chamou a atenção, quando ainda era uma criança de 5/6 anos e estava ensaiando uma participação para o culto da manhã, juntamente com o coreto de crianças de uma modesta igrejinha Batista, em Tanguá – RJ:

Cristo tem amor por mim
Com certeza, creio assim
Por amor de mim morreu
Vivo está, por mim, nos céus
Ama os meninos,
Ama as meninas,
Ama os meninos
Jesus, o salvador1



Parece bobagem dizer, mas as palavras daquele hino surtiram efeito em minha débil noção infantil. Em sua inocência, esta criança se perguntou: Mas por que Jesus ama mais os meninos do que as meninas?! Ora, nada mais expressivo à sensibilidade de uma pequena garotinha do que a repetição do verso “Ama os meninos” no hino em questão, especialmente porque este seria dividido em vozes – os meninos cantariam os versos deles enquanto as meninas cantariam o verso delas.
A bem da verdade – e sem apelar - a realidade de nossas igrejas não tem sido muito diferente, na prática. É evidente que muitas barreiras sócio-culturais já foram transpostas com o passar dos anos, entretanto, permanece a distinção entre homens e mulheres, sobretudo no que se refere ao ministério pastoral – como nos convém neste ensaio.
Primeiramente, não se pode desprezar que a própria concepção de que “a mulher tem conquistado o seu espaço” já constitui, por si só, um paradoxo flagrante: o pressuposto de que a mulher já tem um espaço, mas que ainda precisa conquistá-lo. É concebido pelas maiorias que as mulheres permaneçam nesta “busca”, tornando ilegítimo e extraordinário um direito primário de nossa Constituição: o de que todos são iguais. De fato, os cristãos de hoje ainda têm muito que aprender com o evangelho de Jesus Cristo que, na prática, fazia valer este princípio. E esta também não é uma ideia inédita ou desconhecida para a maioria dos crentes, mas muito pouco praticada, de fato.
A questão do ministério pastoral feminino vem, mormente, sendo abordada a partir de uma teologia paulina mal fundamentada. Os textos são trazidos para a realidade vigente de forma abrupta, sem maior preocupação acerca das condições para sua aplicação. Remetendo-nos ao contexto específico é, sim, possível encontrarmos falhas de interpretação em textos como o de I Co 14.33b-35:

Como acontece em todas as igrejas dos santos, estejam caladas as mulheres nas assembléias, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar submissas, como diz também a lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto, interroguem os maridos em casa; não é conveniente que uma mulher fale nas assembléias.



Este texto, amplamente abarcado no argumento contra a legitimação do ministério pastoral das mulheres, pode ser caracterizado como uma glosa – uma espécie distinta de deuteropaulinismo, como nas palavras de Michel Quesnel:

Trata-se, provavelmente de uma glosa de escriba da época patrística. Por que tal conclusão? Porque a tradição escrita não é estável quanto a esses dois versículos e meio: certos testemunhos os situam em outro lugar, depois do verso 40. E, acima de tudo, porque, se eles fossem de São Paulo, o apóstolo se contradiria singularmente em suas afirmações. De fato, ele mesmo escreveu anteriormente, em I Co 11.5: “Mas toda mulher que ore ou profetize com a cabeça descoberta, desonra a sua cabeça” (...) mas está escrito que ela ora e, na Antiguidade, só se orava em alta voz. Está igualmente escrito que ela profetiza. Ora, como profetizar sem abrir a boca e sem falar? 2



Sendo comprovado o estudo de Quesnel, fica evidente que o texto não pode ser considerado legitimamente de Paulo, devido à contradição explicitada acima. No entanto, o que causa espanto é o fato de, na eventualidade de o referido texto ter realmente sido escrito por Paulo, existiria, assim uma imensa irresponsabilidade na aplicação do ensino. E isto se manifesta da forma mais lógica possível. Se o texto fosse escrito por Paulo, de fato, as mulheres deveriam, hoje, permanecer com as cabeças cobertas nas igrejas, e caladas. Ora, não é possível que a aplicação de um texto seja feita de forma unilateral. Pelo contrário, se hoje já é possível que a mulher “exerça um pouco do seu espaço” dentro da realidade eclesiológica, quer falando, profetizando, pregando, ensinando, visitando, ministrando, exortando etc, por que, naquilo que se refere à legitimação de seu ministério, ela não pode ser reconhecida? De todas as formas, as interpretações construídas sobre a realidade da mulher pastora, a partir de alguns textos paulinos – cuja cultura notoriamente se demonstra como fator preponderante, face às influências semíticas e greco-romanas da época – confirmam a maneira leviana como o assunto tem sido abordado pelas grandes lideranças da denominação, ao conferirem valor bíblico a uma questão política. Sim, pois se não fosse assim, as mulheres deveriam permanecer seguindo “os moldes bíblicos” do véu (cabelo comprido), do silêncio irrestrito e da ausência de opinião.

O que constrange e envergonha a denominação é o fato de mulheres legitimamente vocacionadas, capacitadas, dispostas e comprometidas não poderem ser reconhecidas pela igreja naquilo em que dedicam as suas vidas. São mulheres que, mesmo se formando neste seminário e servindo às suas igrejas como os demais colegas – homens -, deverão se contentar com o título de Bacharel em Teologia e o vergonhoso “tapinha nas costas” de sua denominação, que se esquiva da responsabilidade, atribuindo a questão ao foro íntimo de cada congregação. Ademais, o problema é político na medida em que se traduz como reserva de mercado, de modo que um ministério que também pode ser considerado e tratado como “profissão”3 confira benefícios somente ao gênero masculino – nada mais escandaloso para a igreja diante da realidade trabalhista de nosso país, que já não é um modelo de justiça. Ainda há um longo caminho a ser trilhado neste sentido. Não ignoremos, porém, que tais posturas adotadas e condescendidas pela igreja são capazes de saltar aos olhos e inquietar até mesmo um coração inocente de uma criança.



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Notas:

1. Primeira estrofe e refrão do conhecido hino “Jesus e as crianças”, nº 542 do CC – itálico nosso.

2. QUESNEL, Michel. Paulo e as origens do cristianismo. Tradução Paulo Ferreira Valério. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 126.
3. Não confundimos uma coisa com a outra. Utilizamos a comparação devido ao fator sustento corroborado pelo ministério pastoral nas igrejas, o qual é negado à mulher que o exerce.