segunda-feira, abril 20, 2009

Nossas justiças são trapos de imundícia.

Às vezes precisamos escrever certas confusões que surgem em nosso pensamento. Este, então, é um momento de alguma reflexão sobre algumas coisas que tenho observado nos últimos tempos. Coisas corriqueiras, voláteis, mas muito esclarecedoras, por outro lado.

Vivo a fase de perceber amplamente as injustiças do mundo. Sendo mais objetiva e pontual, as injustiças de mundo, já que o mundo já é injusto histórica e essencialmente. Pois bem, o que me perturba com as injustiças é o fato de elas, na grande maioria das vezes, se camuflarem entre o que é correto. Explico: nunca pensei sentir “saudade” do conceito de que injustiça é algo desonesto, pervertido, impróprio, desconexo, indevido, inaceitável e repugnante. Digo isto porque o que vejo é o descaramento da injustiça não fingida, mas manipulada, imposta como reta, com cara de justa e legítima. Essa injustiça conveniente e endeusada...a injustiça pop, que todos aceitam. Sim, a injustiça de hoje não é apenas suportada, ela é bem quista. E tudo por causa do capitalismo cool, do individualismo, da lei do toma-lá-da-cá intrínseca em todos nós, seres humanos injustos por excelência, propagandistas de nossas obras mortas.

Essa – que agora opto, deliberadamente, chamar de safadeza – está presente na corrupção nossa de cada dia, nas nossas omissões mais graves, nos nossos “mea culpa” mais ordinários e previsíveis. São os discursos que legitimam o caráter mau elaborado que os fortes têm e os fracos asseveram. São as cabeças reclinadas, afirmativas ou simplesmente vazias que preferem ignorar, não responder, não se envolver. E vejo que esse é o câncer da nossa raça humana: o não-envolvimento. Este câncer se alastra, nos toma por completo a ponto de somente nos envolvermos com aquilo que nos interessa, deixando o poder na mão de quem fez por merecê-lo e não por quem se tornou digno a ponto de tê-lo.

Justamente neste ponto é que constato minha vergonha, já que minha injustiça fundamental não me permite ser isenta e isentar ninguém, além de Jesus. Porque, não me é cabível outra pessoa tão justa e tão digna. Aliás, ele é o justo porque apenas ele possui essa dignidade no tempo eterno, o que implica dizer que Jesus Cristo não assumiu um poder, não fez por merecê-lo nem foi promovido na cruz...ele sempre foi digno em essência (não sendo esta uma mera atribuição) e isso se demonstrou em seus atos de justiça. Talvez por isso é sejamos viciados na busca pela nossa justiça, pelo nosso poder e pela nossa auto-afirmação: nunca fomos dignos. Nenhuma de nossas obras se inicia pela nossa dignidade e, por isso, temos a necessidade de fazer por merecer em tudo. Não nos rendemos à graça, não nos acostumamos a ela porque nada que fazemos possui essa motivação gratuita. Tudo o que procede de nós objetiva a vantagem e o interesse... até nossas doações, nosso voluntarismo. Estamos o tempo todo justificando e autenticando nossas atitudes e nosso caráter. Nada em nós nasce de nossa bondade desinteressada, de nosso amor puro e invariável. Quando o ser humano poderá amar o outro invariavelmente, se até o nosso amor a Deus varia o tempo todo, de acordo com a maré? E a nossa fé segue no mesmo barco...e julgamos Pedro!

Como o Eterno se dignifica nesse prisma! Como ele sempre foi superior a nós, conhecendo desde sempre nossa insignificante ânsia pelo mérito, pela dignidade que não temos, pela justiça que sequer alcançamos ou compreendemos! A esse Jesus todos veremos. Porque ele se envolveu...pelos outros, e não por si mesmo. Há diferença em se entender que a cruz consentiu poder a homens antes perdidos e não a Deus. A vida de Jesus veio a ser o mérito pelo qual o homem pode chamar Deus de abba, "paizinho", e esta injusta sentença tornou-se a graça que nos justifica. A nossa justificação carecia vir por ele. Do Cristo que nos revelou a justiça divina.

Nele, a nossa ânsia se saciará. Seremos finalmente fartos e livres dessa fome e dessa sede, dessa busca e dessa desolação. Seremos livres de nossa própria injustiça e indignidade. Porque nele somos feitos justos exatamente quando desistimos de o ser.

sábado, abril 18, 2009

Eu guardei as lágrimas.

Eu guardei as lágrimas,
Registrei para delas me lembrar
Eu me apropriei deste momento
E entendi que era necessário
Expus ao céu a minha queixa
Falei e calei...me deixei sofrer
Retomando a consciência de que
Não acredito no acaso

Guardei as imagens das dores
Que não me deixavam dormir
E pensei bem correta:
Que Deus as tem em sua visão
Sim, ele as tem.

Não posso mais acreditar na obviedade
De um lamento que não cessa.
Que busca um alento e não encontra,
Duma porta permanentemente fechada,
Duma ferida eternamente aberta,
De um lapso de memória perverso
Que me deixa esquecer que sou
Exatamente aquilo que ele me quer ser
Em seu Filho
Em seu verdadeiro e exato amor

Guardei as lágrimas como a recordação
De um passado passando,
De uma fé inexistente,
De uma esperança morta,
De uma necessidade malograda,
De uma justiça não saciada,
Registrei o momento de uma entrega
Sem reservas, sem forças e sem debates
Na hora em que o peito deitou um choro digno
Desse render-se

São as mudanças que se me anunciam
Que me fizeram e fazem chorar
Porque ao me transformar
Obrigo-me a truncar
As sobras, os restos, os lixos de mim
Obrigo-me a tirar aquilo que não me cabe querer e sentir
Forçoso se me torna ser alvo de uma restauração
Emergencial, não circunstancial
E as circunstâncias não subsistem...
...Como as lágrimas que guardei.

Como as lágrimas que, sei,
Ele, desde sempre, conheceu.