“Contudo, quando vier o Filho do Homem, porventura achará fé na terra?” - Lucas 18.8b.
Há tempos em que a igreja luta para ser aquilo que se espera que ela seja. Há séculos tem-se lutado pela pureza da fé e do Evangelho de Jesus. Há milênios, a espera pela volta do Filho do Homem tem-se feito durar. No entanto, esta não é uma verdade unilateral. Existe uma expectativa da parte de Deus a respeito dos que se dizem seguidores de Cristo. Permanece a nossa demanda, nossa responsabilidade como membros do corpo do Filho, de levar a sério a Missão a nós confiada. E pergunto-me: Como temos entendido essa missão? Em que termos a concebemos? Trata-se de uma empreitada rumo à divulgação da boa nova? Obviamente que sim. E somente isto?
O Senhor Jesus deixou para os seus a grande responsabilidade e privilégio de não somente pregarem o Evangelho, como também de fazerem discípulos dele. Desde sua gênese, a mensagem de Jesus se constitui como uma revisão de vida e não somente uma ideologia a ser aderida, admitida. O que nos aflige a alma em nossos dias é que possamos fazer desta simples verdade qualquer coisa diferente disto. E é sempre perturbador falar desta simplicidade, porque a grande maioria já julga conhecê-la, o que pressupõe ser esta uma realidade vivida, praticada pela maior parcela dos cristãos. Contudo, o que se vê em nossos arraiais, na prática, parece contradizer aos berros que o coração de muitos cristãos estejam enlaçados à mensagem de Jesus. E uma temeridade é que talvez este distanciamento não se deva ao desconhecimento, à ignorância a respeito de suas palavras. A bem da verdade, é tendencioso - porém não inautêntico - se afirmar que a grande crise de nossas igrejas seja a permanente fragilidade de caráter, mas este não é ainda um discurso satisfatório, pois se arrisca a passar por moralista ou, no mínimo, reincidente. Mesmo assim, mesmo com tanto “conhecimento da verdade do Evangelho”, ainda travamos séria luta contra o pecado interior, pessoal e/ou coletivo; contra a fraudulenta máquina de piedade que transforma muitas congregações em casas de entretenimento e autopromoção. E, estejamos certos que este não é um privilégio das igrejas neopentecostais, nem das comunidades evangélicas e outros ministérios do gênero. Isto é intrínseco a nós, homens e mulheres dotados de absoluta alienação da santidade deste Senhor que está pra voltar. Pessoas que ainda cedem facilmente à conveniência, enquanto outras são desafiadas solenemente por sua incoerência ou cinismo.
O alarme que sempre ecoou aos ouvidos dos que um dia ouviram “o que o espírito diz às igrejas” parece ser abafado à medida que a pura fé em Cristo cede espaço a toda e qualquer satisfação cujo resultado exclui ou minimiza sua honra. Talvez a confusão se dê justamente porque nem sempre honrá-lo traga resultados aparentes e imediatos. É preciso que se diga que, ainda assim, é fundamental darmos crédito à nossa pregação.
A parábola narrada por Jesus em Lucas 18.1-8 fala de um juiz iníquo, que a ninguém honrava, e de uma viúva com um sério problema a ser resolvido: um adversário. Ao fim da narrativa, Jesus deixa claro que, apesar da ausência de caráter do juiz, a viúva teve seu pedido aceito, devido à sua perseverança. A grande luz deste texto é que ele não reflete a força da insistência que devemos ter em pedir coisas a Deus, como propõe grande parte das interpretações, mas sim que a viúva continuou crendo contra as circunstâncias desfavoráveis: o adversário e o descaso do juiz. A beleza deste ensino de Jesus é justamente focada na fé da mulher. Esta fé que a permitia não somente insistir no que queria, mas sobretudo não se render ao seu adversário. A fé que a forçava a insistir com um juiz corrupto a respeito da autenticidade de seu pedido, de sua relevância, de sua seriedade. Talvez seja justamente esta a fé que nos falta, da qual temos profunda carestia. A convicção capaz de nos firmar nos valores bíblicos e, muito além deles, transformar nossa existência como seres humanos. Não seria esta a fé ansiada pelo Filho que retornará a nós como juiz? Acontece que se nem mesmo os homens e mulheres de Jesus valorizarem seu relacionamento com Deus e com o próximo a partir desta suma importância, como esperaremos a renovação de todas as coisas? Não por acaso, esta parábola segue tantas outras em que Jesus ensinava sobre o Reino de Deus. Um Reino que deveria ser vivido pelos crentes, acima de qualquer outra expectativa terrena. Um Reino sem fim, de justiça e amor. Mas o que explica tamanha inadequação de tantas de nossas atitudes a este reino senão a ausência de fé em sua existência, o descrédito quanto a sua veracidade? Sobre este Reino de Deus, o transformamos em fábula, ficção? Por que cedemos ao adversário e desistimos de lutar pelos valores deste Reino senão por ausência de fé?
A fé em Jesus Cristo nunca foi somente o conhecimento sobre seus ensinamentos, tampouco de sua pessoa. A fé que converteu a maioria dos apóstolos foi professada nos detalhes de suas vivências. Foi prorrogada na ausência do mestre. Foi a prioridade de suas vidas. A fé mais pura e verdadeira foi aquela proferida enquanto o Senhor estava “escondido”, oculto, em expectação. Hoje, ainda, há cristãos lutando pela proeminência desta fé convicta, nada óbvia, durante dias maus. Sejamos destes que, dignamente lutam contra os poderes indignos, que resistem aos adversários permanentes e à conveniência de nossa realidade como Igreja. Se o caminho a ser seguido nos for estreito de fato, confiemos na justiça do bom juiz que nos aguarda ao seu final.
Um comentário:
Este belíssimo texto nos convida a fazer uma análise profunda sobre o que é realmente seguir os passos de Jesus Cristo.
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